Crónicas do Grande Despertar | Crónicas del Gran Despertar

24/01/2023

A era da vitimização (e 3) | La era de la victimización (y 3)



«E é então quando, mediante um deslize semântico, se passa à “vítima identitária” (vítimas de guerras ou conflitos passados, vítimas da colonização, vítimas do racismo, vítimas do heteropatriarcado, vítimas do fascismo e do nazismo – mas não do comunismo, curiosamente), e quando uma identidade subjectiva que se sente alterada por um facto contrário à percepção pessoal do seu estatuto, seja por referência a um facto histórico ou contemporâneo, acaba por se unir a todos quantos se “sentem” vítimas pelo mesmo motivo, numa construção quase mitogénica – que praticamente funda uma pseudociência da vitimologia – dos traumatismos (e suas consequências) experimentados por um grupo cuja imagem é transmitida, sem descontinuidade, desde os seus antepassados aos seus descendentes. Entramos assim numa autêntica “concorrência vitimista”, ou seja, na vontade, comum aos presumíveis discriminados, se situar uma determinada causa como uma inegável injustiça que deve ser reparada sem demora, uma incontestável desgraça histórica sem precedentes, um atentado contra os valores e direitos humanos sem paralelo na História, que as sociedades modernas tentam inscrever no vazio dos seus projectos políticos. A funesta consequência, no entanto, é a “banalização das vítimas”, porque, na falta de verdadeiras vítimas da violência ou da injustiça, procuram-se, por todo o lado, pseudovítimas, ainda que estas sejam puramente metafóricas, ou mesmo imaginárias, para submetê-las a um processo de vitimização restauradora. À força de enumerar e assinalar vítimas e pseudovítimas, o próprio termo perde todo o seu sentido original: as vítimas reais são arquivadas sem mais considerações; as presumíveis vítimas, especialmente as identitárias, são elevadas ao nível de “injustiça histórica” e devem ser protegidas com um estatuto especial e satisfeitas em todas as suas reivindicações, mesmo que se trate de “minorias minoritárias” e os seus objectivos não coincidam com o interesse geral nem com o bem comum da sociedade.

As vítimas não só substituíram os heróis, como se está a produzir um inaudito processo de “heroização” das vítimas: hoje, já não são vítimas, são mártires. Por isso se derrubam as estátuas dos heróis e se levantam templos às vítimas.»

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«Y es entonces cuando, mediante un deslizamiento semántico, se pasa a la “víctima identitaria” (víctimas de guerras o conflictos pasados, víctimas de la colonización, víctimas del racismo, víctimas del heteropatriarcado, víctimas del fascismo y del nazismo ‒pero no del comunismo, curiosamente), y cuando una identidad subjetiva que se siente alterada por un hecho contrario a la percepción personal de su estatuto, ya sea por referencia a un hecho histórico o contemporáneo, acaba uniéndose a la de todos los que se “sienten” víctimas por el mismo motivo en una construcción casi mitogénica ‒que prácticamente funda una seudociencia de la victimología‒ de los traumatismos (y sus consecuencias) experimentados por un grupo cuya imagen es transmitida, sin discontinuidad, desde sus antepasados a sus descendientes. Entramos así en una auténtica “competencia victimista”, es decir, en la voluntad, común a los presuntos discriminados, de situar una determinada causa como una innegable injusticia que debe ser reparada sin demora, una desgracia histórica incontestable sin precedentes, un atentado contra los valores y derechos humanos sin parangón en la historia, que las sociedades modernas intentan inscribir en sus vacíos proyectos políticos. La funesta consecuencia, sin embargo, es la “banalización de las víctimas”, porque, a falta de verdaderas víctimas de la violencia o de la injusticia, se buscan, por todas partes, seudovíctimas, aunque estas sean puramente metafóricas, incluso imaginarias, para someterlas a un proceso de victimización restauradora. A fuerza de enumerar y señalar a las víctimas y seudovíctimas, el propio término pierde todo su sentido original: las víctimas reales son archivadas sin más trámite; las presuntas víctimas, especialmente las identitarias, son elevadas al rango de “injusticia histórica” y deben ser protegidas con un estatus especial y satisfechas en todas sus reivindicaciones, aunque se trate de “minorías minoritarias” y sus objetivos no coincidan con los intereses generales y el bien común de la sociedad.

Las víctimas no solo han sustituido a los héroes, sino que se está produciendo un inaudito proceso de “heroización” de las víctimas: hoy, ya no son víctimas, son mártires. Por eso se derriban las estatuas de los héroes y se levantan templos a las víctimas.» (El Manifiesto)

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